O Papel do RH em um Contexto de Transformações de Mercado - a Busca pela Aprendizagem Contínua
Por sua constituição estrutural, o setor de Recursos Humanos nasceu como um segmento puramente operacional, condicionado a cuidar estritamente de funções como folhas de pagamento, recrutamento e contratações, avaliação de desempenho e demais funções dessa natureza.
No entanto, considerando a constante evolução do mercado, é natural que essas funções precisem ser complementadas por atribuições que, inicialmente, não seriam direcionadas ao RH. O alcance desse segmento dos Recursos Humanos foi, a passos lentos, ocupando um espaço mais amplo, abraçando vertentes como cultura, desenvolvimento de carreira, manejo de competências e upskilling. E é importante dizer: ainda há muito o que caminhar nesse sentido.
Uma das principais mudanças no mercado corporativo, é o número surpreendente de profissionais que se encontram desengajados e insatisfeitos. São profissionais que, em quantidades alarmantes, enfrentam sentimentos de falta de motivação, apatia, e até mesmo raiva em relação aos seus trabalhos. Há algo de muito errado nisso e é nítido que uma atividade tão basilar, como o trabalho, não deveria trazer um peso negativo.
E a situação fica ainda mais crítica quando analisamos as perspectivas de mercado para os próximos anos ou décadas, e concluímos que quase 50% das funções operacionais poderão ser executadas por máquinas, o que substitui a mão de obra humana. E ao contrário do que se pode pensar inicialmente, não há motivo para pânico e a tendência não é o desemprego, pelo contrário. Haverá uma grande demanda por profissionais que executem outros trabalhos, que requerem o desenvolvimento de outras habilidades. O mercado será reestruturado e, em termos simples, quem executa tarefas operacionais precisará ser designado a outras funções – desde que aprenda a executá-las.
O contexto é conflitante. Se temos um número inédito de profissionais cada vez menos engajados, como podemos desde agora prepará-los para assumir as novas demandas que surgirão no futuro? Como convencer e estimular esses profissionais a construírem em si mesmos as competências que serão basilares para mantê-los ativos no mercado nos próximos anos?
Em entrevista para o VocêRH, um dos nossos Mentores da Top2You, Conrado Schlochauer, diz: “A gente tem uma necessidade de repensar a lógica como a relação entre as pessoas, e das pessoas com o trabalho acontece. Eu acho que esse pode e deve ser um papel do RH”. Ele ainda complementa dizendo que acredita que, ainda que o setor não esteja preparado para isso “precisamos buscar novas ferramentas e novas abordagens para fazer o que a gente já faz, de uma maneira diferente”.
Ainda que o caminho seja nebuloso, considerando que ainda não sabemos como essas mudanças irão acontecer, não há dúvidas de que a aprendizagem contínua irá exercer um papel crucial nessa transformação do mercado de trabalho. Se um dos pontos mais importantes de todo esse processo é a necessidade do desenvolvimento de novas habilidades, não há como dissociar a concretização desse cenário da viabilização massiva de recursos que fomentem a aprendizagem. E aqui, novamente, cita-se o RH como o setor que, espera-se, assumirá o papel de fomentar essa cultura.
Ainda segundo Conrado, o conceito de capacitação contínua refere-se ao contexto em que o profissional pode se sentir aprendendo todos os dias. E para isso, cabem tanto os treinamentos formais, quanto o dia a dia propriamente dito. Partindo dessa premissa, a própria atuação profissional, contextualizada em um ambiente preparado, viabilizam esse aprendizado. O profissional pode ser um aprendiz se sua própria observação de mundo, dos exemplos que ele enxerga em seus colegas e gestores, bem como nas demais variáveis que cabem num olhar amplo, sob uma perspectiva pessoal que precisa ser engajada e crítica.
Nesse sentido, Schlochauer cita o fato de que a aprendizagem continuada e a curiosidade são consideradas como habilidades de mercado extremamente necessárias para serem desenvolvidas pelos profissionais. O que antes eram apenas atribuições pessoais, têm se tornado, de fato, habilidades basilares para manter um profissional atualizado e ativo no mercado.
E nesse ponto, cabe citar uma outra barreira que enfrentaremos para promover essas a aprendizagem continuada e a curiosidade, que é a barreira que está sendo criada na cognição das pessoas em razão das inteligências artificiais. Com o uso intenso desses recursos, é nítido que, em níveis massivos, estamos perdendo a capacidade de nos envolvemos em leituras mais profundas, estudos mais densos e atividades que exijam maior concentração, sem nos envolver em uma tempestade de dopamina, a que estamos ficando cada vez mais adictos com o uso excessivo da tecnologia.
Levando em consideração todo esse contexto, é nítido que o desafio que o RH tem em mãos, nem de longe será algo simples de ser resolvido. Enfrentaremos um longo processo para que o setor de Recursos Humanos crie processos em que a Aprendizagem Continuada seja estimulada, em conformidade com as necessidades de cada organização e das funções executadas por seus colaboradores. E para tornar esse processo mais fluido, uma consideração importante é sobre a necessidade de que os profissionais de RH troquem experiências entre si, dividindo estratégias que têm funcionado, trocando insights e construindo juntos um roteiro que é completamente novo para todos.
O RH precisa assumir um papel mais estratégico, abordando e, principalmente viabilizando mudanças profundas na cultura organizacional da empresa, para estimular o desenvolvimento contínuo de novas habilidades entre os colaboradores.
São muitas barreiras a serem transpostas, mas é preciso acreditar que o setor de Recursos Humanos será capaz de achar o tom ideal para virar a chave dessa relação entre trabalho e colaboradores, viabilizando um ambiente de aprendizagem contínua.