Você chega lá. Mas, quando chega, sente que talvez não pertença. Acha que foi sorte, que alguém se enganou, que estão prestes a descobrir que você não é tudo isso.
Enquanto todos comemoram sua conquista e acreditam no seu potencial, você sofre em silêncio, questionando cada passo que dá.
Essa sensação tem nome. Na verdade, mais de um nome.
“Síndrome do Impostor” e “Fenômeno do(a) Impostor(a)”
Embora “Síndrome do Impostor” seja o mais popular, Margareth Cardoso, psicóloga, C-Level de RH e mentora Top2You explica que o termo original era “Fenômeno da Impostora”.
A origem da expressão vem do fim dos anos 1970, quando as psicólogas e pesquisadoras Pauline Clance e Suzanne Imes escreveram o estudo The Imposter Phenomenon in High Achieving Women.
Elas descreveram o sentimento de inadequação entre mulheres bem-sucedidas, que, mesmo com currículos brilhantes e históricos acadêmicos impecáveis, não se sentiam merecedoras de seus resultados.
Desde então, outras pesquisas acabaram popularizando a palavra “síndrome”, mas Margareth explica que esse termo pode soar equivocado. “Na medicina, síndrome é um conjunto de sintomas que afeta uma pessoa, mas não tem classificação como uma doença. Por outro lado, ao falarmos em fenômeno, ampliamos o olhar: não se trata de um problema individual, mas de um reflexo coletivo, social, das mensagens que recebemos sobre nosso valor”, explica.
Na maioria das vezes, são essas mensagens que fazem os profissionais colocarem em dúvida o próprio mérito, mesmo com evidências de sua competência.
Não é um friozinho na barriga. É um medo quase paralisante.
Mas vamos ser diretos: não, você não é uma fraude esperando para ser desmascarada.
A origem da dúvida
Qualquer profissional pode viver o Fenômeno do(a) Impostor(a), incluindo homens.
No entanto, pode se manifestar de maneira ainda mais aguda em pessoas que são historicamente sub-representadas no mundo corporativo, como mulheres, pessoas negras e LGBTQIA+.
São pessoas que, ocupando espaços que por muito tempo foram negados a elas (e, muitas vezes, ainda são), podem se sentir extremamente inseguras, mesmo com competência.
Em uma pesquisa da KPMG realizada com 700 mulheres com carreiras em ascensão, incluindo altas executivas, 75% afirmaram já ter sofrido com o Fenômeno da Impostora em algum momento da carreira.
Para muitas, um dos gatilhos desse sentimento é a necessidade constante de se provar. Entre as executivas ouvidas, 81% acreditam que colocam mais pressão sobre si mesmas para não fracassar mais do que os homens.
“Para as mulheres, de forma geral, não basta serem excelentes profissionais. Espera-se também que sejam mães presentes, filhas atentas, líderes acolhedoras e ainda atinjam metas ambiciosas. Quando um homem não acolhe emocionalmente alguém da equipe, dizemos que ele precisa se desenvolver. Mas da mulher se cobra naturalmente essa habilidade”, comenta Margareth.
Então, não é fraqueza. Nem é “baixa autoestima”. Mas pode ser uma resposta emocional a um histórico de desigualdades e a ambientes que não validam, não reconhecem e não refletem a diversidade.
O papel das empresas
A relação direta entre saúde mental e trabalho não é mais novidade para ninguém. Ela está no centro das experiências profissionais e impacta diretamente o desempenho, a inovação e a permanência dos talentos nas organizações.
Por isso, quando o ambiente de trabalho reforça cobranças excessivas, metas desumanas e a busca pela perfeição, contribui para a sensação constante de inadequação — especialmente em quem já lida com barreiras estruturais.
Nesse sentido, Margareth destaca que um dos combustíveis para o fenômeno, e que deve ser combatido nas organizações, é o medo de errar.
“Vivemos em culturas organizacionais que punem o erro, em vez de tratá-lo como parte do aprendizado. Isso gera um ambiente de ameaça constante, onde expor dúvidas, pedir ajuda ou dizer ‘não sei’ é visto como fraqueza”, aponta.
Para combater esse sentimento, é preciso que as companhias e as lideranças construam ambientes psicologicamente seguros: espaços onde seja possível se expressar, errar, experimentar, crescer.
Ela também reforça a importância de equilibrar a busca por alta performance com a capacidade humana de processar mudanças e aprender.
Alguém que foi promovido recentemente, por exemplo, sempre se vê diante de inúmeras novidades e expectativas. Quando a organização reconhece que é normal precisar de um tempo para se ajustar e acompanhar o ritmo da nova posição, normaliza o aprendizado contínuo e valoriza o progresso.
No fim, esse tipo de postura evita que um bom profissional ache que foi um erro ter sido promovido e perceba que só precisa de tempo para se adaptar e espaço para aprender.
E se alguém visse o que você ainda não vê?
Nas mentorias da Top2You, Margareth frequentemente trabalha com pessoas que duvidam de suas capacidades, mesmo entregando resultados excepcionais.
Ela cita um exemplo: “Uma mentorada fazia reuniões quinzenais com cada membro da sua equipe, mesmo em meio a uma reestruturação intensa, e ainda achava que estava fazendo pouco. Ao fazermos o ‘cheque de realidade’, revisitamos todas as suas ações e vimos que ela já estava além do esperado.”
Esse exercício de reconhecer e validar a própria trajetória é fundamental para reverter o fenômeno, e pode ser facilitado com o apoio de um mentor que ofereça escuta ativa, devolutivas sinceras e ajude a enxergar o que, por insegurança ou autossabotagem, a própria pessoa ainda não consegue reconhecer.
A mentoria é um convite para silenciar o ruído e se reconectar com sua potência. Para perceber que a dúvida, quando bem acompanhada, vira aprendizado, mas não paralisia.
Se você se viu nesse texto, saiba que não está só. Releia seu currículo. Lembre-se dos impactos que você já gerou. Busque apoio, converse com quem te inspira, aceite mentorias.
E se você é RH ou líder, pense: o que você pode fazer para ajudar talentos incríveis a se reconhecer? Às vezes, tudo começa com uma boa conversa.